Universitários com hábitos pouco saudáveis têm 3 vezes mais risco de depressão, diz pesquisa da UFSC
09/09/2025
(Foto: Reprodução) Professor Thiago Matias explica resultados preliminares de estudo sobre universitários
Metade dos universitários brasileiros apresenta sinais de depressão, e um fator em comum pode estar ligado aos hábitos diários. É o que aponta uma pesquisa inédita feita com mais de 6 mil calouros de 12 universidades do país capitaneada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O estudo revela que hábitos diários, ligados à alimentação, ao sono e à prática de exercícios, podem influenciar de forma decisiva a saúde mental dos jovens.
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O responsável pelo estudo em Santa Catarina é o professor Thiago Matias, coordenador do Grupo de Pesquisa em Motivação e Movimento Humano (Motus). A iniciativa para a colaboração partiu do professor Felipe Barreto Schuch, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
“Estilos de vida são aspectos que envolvam comportamentos de saúde. O quanto se pratica de atividade física, o que se come, como se dorme, como se relaciona, o tempo que se passa em frente às telas. E aí a gente tem observado que essas alterações, positivas ou negativas, podem de alguma forma se relacionar com a saúde mental deles”, diz o professor.
A pesquisa faz parte de um levantamento global que acompanha estudantes de 60 instituições em 20 países, o projeto "Unilife-M". No Brasil, a amostra foi composta por 6.371 universitários, com idades entre 16 e 35 anos, que responderam a questionários sobre hábitos de vida e saúde mental.
Os dados chamam atenção:
54,4% dos estudantes apresentaram sintomas de depressão;
Entre os que têm hábitos menos saudáveis, o risco é três vezes maior;
Foram identificados três perfis: 42,3% com estilo de vida positivo, 44% com perfil de risco e 13,7% com hábitos mistos.
Entre os fatores analisados estão:
alimentação
atividade física
qualidade do sono
uso de substâncias
gerenciamento do estresse
apoio social
comportamento sedentário.
Já no questionário sobre sintomas, os estudantes responderam sobre assuntos como: depressão, ansiedade, mania, distúrbios no sono, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), falta de atenção, hiperatividade e risco de suicídio.
“O estudante que dorme mal, alimenta-se de forma inadequada e não se exercita tem mais chances de desenvolver sintomas de ansiedade e depressão”, reforça Matias.
O professor explica que esses alunos, todos os anos, vão novamente responder a esses formulários, completando o ciclo de formação, o que caracteriza um estudo longitudinal.
O grupo de estudos na UFSC também criou um manual para ajudar os estudantes a encontrar uma rede de apoio na universidade.
"Esse cenário epidemiológico, com essas prevalências que são muito altas, pode até assustar a população. Justamente os alunos já carregam alguns desses sintomas na entrada da universidade, e a universidade tenta criar formas e faz pesquisa para tentar entender essa situação, e ajudá-los a encontrar locais de apoio", explica o professor.
Estudantes correm durante olimpíada estudantil na UFSC em 2023
Leticia Schlemper/Agecom/UFSC
Fase vulnerável
Para os especialistas, a entrada na universidade é um momento de vulnerabilidade. A psiquiatra Deisy Porto diz que a transição entre a escola e a graduação traz muitos desafios à saúde mental, por envolver escolhas importantes como a profissão e um vestibular concorrido, por exemplo.
"Fora todas as mudanças que podem vir, como o afastamento dos amigos e família, novas responsabilidades, cobrança por desempenho e pressão financeira. A adolescência e início da vida adulta são períodos de maior vulnerabilidades para o início de transtornos mentais, como depressão, ansiedade ou até quadros psicóticos, por todos esses fatores ambientais, associados às vulnerabilidades genéticas e individuais", explicou.
O consumo de bebidas alcoólicas também pode afetar a saúde mental de estudantes universitários, já que é frequentemente normalizado nessa faixa etária e pode aumentar os riscos de acidentes e episódios de violência.
"O consumo de álcool é um fator de risco importante para adoecimento psiquiátrico. Ele pode agravar quadros de ansiedade e depressão, favorecer condutas impulsivas. Além disso, quando usado como forma de lidar com sofrimento emocional, o álcool mascara os sintomas e atrasa a busca por ajuda adequada".
Virada de chave
Universitária Ingridy Della Betta comenta importância dos exercícios físicos
Quem sentiu na pele a diferença que um estilo de vida saudável pode fazer foi a estudante Ingridy Della Betta, de 28 anos. Durante a graduação, no Paraná, ela enfrentou uma rotina exaustiva e deixou os exercícios de lado. A pandemia agravou o quadro: Ingridy desenvolveu ansiedade.
Depois que o pior da Covid-19 passou, ela resolveu fazer mudanças na vida. Porém, novamente não conseguiu tempo para os exercícios.
"Foi na época em que fui morar sozinha. Tinha que manter uma rotina de dois trabalhos, dois estágios, mais a graduação e, nesse tempo, o que mais pesou foi o fato de eu não conseguir manter uma rotina de treinamentos", contou.
A virada aconteceu no mestrado, em Florianópolis, que começou neste ano. Agora, ela separa tempo para os exercícios, seja na academia, caminhadas, pedaladas e trilhas, aproveitando a natureza da capital catarinense. Segundo ela, isso ajudou na saúde mental, junto a outras questões.
"Sou bolsista do mestrado e isso facilita, porque ser bolsista proporciona com que eu esteja disponível para a pós-graduação. Mas, ao mesmo tempo, maior tempo para flexibilizar minhas rotinas. Então, consigo me dedicar a ter uma rotina de treino, uma rotina de alimentação mais saudável".
"Hoje eu digo que eu estou no meu auge de bem-estar psicológico, feliz com as minhas escolhas e com as consequências de estar aqui onde eu estou, na cidade em que eu estou, com as oportunidades de poder fazer atividade física", resumiu.
Estudante Ingridy aproveita atividades ao ar livre em Florianópolis
Ingridy Della Betta/Arquivo pessoal
Como reduzir os riscos
Segundo a psiquiatra, ao longo da graduação, diversos fatores podem impactar a saúde mental dos estudantes.
No início do curso, é comum enfrentarem a pressão da adaptação e a insegurança diante do novo ambiente. Já na metade da formação, as exigências acadêmicas se intensificam e surgem dúvidas sobre o futuro profissional.
No final, a ansiedade relacionada ao ingresso no mercado de trabalho e à vida adulta independente tende a aumentar. Além disso, muitos concluem a graduação com dívidas de financiamento estudantil, o que representa mais um fator de estresse.
De acordo com a especialista, pequenas mudanças podem ajudar:
💤manter uma rotina minimamente organizada de sono, alimentação e estudo
🙌 cultivar vínculos sociais de qualidade
🎲reservar tempo para lazer e atividade física
🧑⚕️procurar apoio psicológico quando sentir necessidade
"Reconhecer que pedir ajuda não é sinal de fraqueza, mas, sim, de cuidado consigo mesmo. Pode fazer toda a diferença para atravessar esse período com mais saúde", concluiu a doutora.
Prevenção
Os pesquisadores defendem que políticas públicas voltadas para a promoção de hábitos saudáveis podem ser essenciais para prevenir transtornos mentais entre universitários.
“Temos observado que boa parte dos transtornos mentais que esses jovens vão enfrentar acontecem justamente nesse período. A gente quer entender o que acontece e se a exposição a essas alterações do estilo de vida influenciam de alguma forma esses sintomas de transtorno mental”
Além do professor Matias, fazem parte da pesquisa, pela UFSC, os acadêmicos Tuane Sarmento, Renato Claudino e Jhonatan Wélington Pereira Gaia.
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